O marketing jurídico (Parte II)
Thaís G. Pascoaloto Venturi
segunda-feira, 12 de setembro de 2022
Na coluna anterior (parte I), abordamos o gradativo reconhecimento jurisdicional da licitude da veiculação de publicidade por parte dos advogados nos EUA, construída a partir da garantia constitucional da liberdade de expressão.
Analisamos, especialmente, dois precedentes da Suprema Corte norte-americana determinantes para o reconhecimento e para a delimitação do marketing jurídico. A publicidade veiculada pelos advogados, não sendo falsa ou enganosa, representa divulgação comercial amparada constitucionalmente pela cláusula da liberdade de expressão, que permite o marketing jurídico desde que não se revele, concretamente, enganoso.
No entanto, em que pese o referido reconhecimento, o tema sempre é delicado, sendo necessário avaliar, para além do cabimento do marketing jurídico, os limites razoáveis de tal prática a fim de parametrizar a publicidade pelos profissionais da advocacia, regulando-se o marketing a partir de balizas éticas mínimas, fora das quais passe a incidir sanções disciplinares.
Nesta segunda parte investigaremos como o tema referente à publicidade dos advogados tem se desenvolvido no Reino Unido e em países da civil law, especificamente, o tratamento conferido pela União Europeia e pelo ordenamento jurídico brasileiro, a fim de se avaliar seus limites e perspectivas.
Reino Unido
A advocacia no Reino Unido passou por grandes transformações no início do século XXI, sobretudo a partir da Tesco Law (Legal Services Act 2007) – editada para flexibilizar a rígida regulação até então existente sobre as atividades concernentes.
Nessa nova regulação, oito objetivos foram enunciados para o aprimoramento dos serviços profissionais dos advogados: i) proteger e promover o interesse público; ii) apoiar o princípio constitucional do Estado de Direito; iii) melhorar o acesso à justiça; iv) proteger e promover os interesses dos consumidores; v) promover a competição para serviços jurídicos não reservados; vi) encorajar uma profissão jurídica diversificada e forte; vii) aumentar a compreensão pública em relação aos direitos e deveres legais dos cidadãos; e viii) promover e manter a adesão aos princípios profissionais.
A partir desse novo cenário, os escritórios de advocacia foram abertos para o mercado na Inglaterra e no País de Gales. Desde então, os escritórios podem ser constituídos na forma de empresas (modelos societários de Incorporated Company e Limited Liability Partnertship (LLP) que, por sua vez, podem receber investimentos ou serem propriedade de não-advogados (Alternative Business Structures).
De acordo com BAPTISTA, a dinâmica da advocacia no Reino Unido difere de outros lugares do mundo, pois em solo britânico, o escritório de advocacia é considerado um negócio como outro qualquer. “Os serviços são prestados por pessoas aptas para o efeito, os preços são regulados pela concorrência e a publicidade é, digamos, a alma do negócio, permitindo-se uma publicidade promotora aos advogados, afirma-se que a fórmula do sucesso que faz com que a advocacia do Reino Unido seja a número um em todo o mundo é a aplicação das regras concorrenciais aos escritórios de advogados”.1
Essa nova formatação dos escritórios no Reino Unido trouxe como consequência a tolerância de praticamente qualquer forma de publicidade – tal como ocorre com as demais empresas.
Em síntese, as regras de publicidade impostas para a advocacia britânica determinam que a propaganda não seja enganosa e seja suficientemente informativa para garantir que os consumidores possam fazer escolhas informadas, vedando-se abordagens pessoais para divulgação dos serviços profissionais.2
União Europeia
Na União Europeia os advogados são representados pelo Conselho das Ordens de Advogados da União Europeia (CCBE) – uma associação internacional sem fins lucrativos. Essa associação funciona como ligação entre a UE e as diversas ordens de advogados da Europa, estabelecendo as condições em que os advogados habilitados a exercer a profissão num Estado-membro podem também exercê-la de forma permanente noutro Estado-membro.
De acordo com a Carta de princípios nucleares da advocacia europeia (Charter of core principles of the european legal profession) e o Código de conduta para advogados europeus (Code of conduct for european lawyers), a publicidade pessoal dos advogados é regulada por duas regras essenciais: (i) O advogado tem o direito de informar o público sobre os seus serviços, desde que as informações sejam precisas e não enganosas, e respeitem a obrigação de confidencialidade e outros valores fundamentais da profissão; e (ii) Respeitados referidos parâmetros, é permitida a publicidade pessoal do advogado em qualquer forma de mídia (imprensa, rádio, televisão, comunicações comerciais eletrônicas.3
Observa-se, no entanto, que cada Estado-membro possui as suas especificidades e, apesar de semelhanças naturais entre elas, as normas nacionais diferem em cada país integrante do bloco. Assim, países como França, Itália, Espanha e Portugal possuem regramentos próprios que refletem tradições muito antigas quanto à publicidade da advocacia.
Todavia, gradativamente as diferenças de tratamento do tema entre os Estados-membros tendem a ceder ou a serem relativizadas, em prol da viabilidade dos advogados exercerem livremente a profissão nos países europeus, com lealdade de concorrência.
Em Portugal, por exemplo, a publicidade na advocacia foi concebida com muitas reservas em razão das especificidades da profissão. Sempre se entendeu que o marketing jurídico não deveria seguir o padrão do marketing autorizado para outros prestadores de serviços.
Isso se refletiu na regulação imposta pelo primeiro Estatuto dos Advogados, que “vedava ao advogado toda a espécie de reclamo, apenas permitindo a publicidade das tabuletas e de anúncios nos jornais com a simples menção do nome, endereço e horas de expediente, bem como, a título informativo, a indicação de graus acadêmicos, da sociedade profissional e a menção a cargos exercidos na Ordem.”4
O atual Estatuto da Ordem dos Advogados de Portugal passou por significativas mudanças no que tange ao tema da publicidade, prevendo, em seu art. 94, uma forma de “publicidade regulada” com a possibilidade da menção a assuntos profissionais em que tenha intervindo, a referência a cargos públicos ou privados exercidos, à composição e estrutura do escritório e até a inclusão de ilustrações, dentre outros.5
Dentre as expressas vedações previstas em referido estatuto a respeito da publicidade, destacam-se: a) a colocação de conteúdos persuasivos, ideológicos, de autoengrandecimento e de comparação; b) a menção à qualidade do escritório; c) a prestação de informações errôneas ou enganosas; d) a promessa ou indução da produção de resultados; bem como e) o uso de publicidade direta não solicitada.6
A principal justificativa para a alteração do Estatuto português nas regras concernentes à publicidade dos advogados foi a de proporcionar uma concorrência justa com os demais membros da União Europeia.
Brasil
É relevante compreender que o cabimento e o alcance da publicidade dos escritórios de advocacia no Brasil estão intimamente relacionados com a formatação jurídica a que estão atrelados.
Conforme o Estatuto da OAB (lei 8.096/94), os advogados somente podem constituir sociedade civil de prestação de serviços de advocacia, não sendo admitidas as sociedades de advogados que apresentem forma ou características mercantis, que adotem denominação de fantasia, que realizem atividades estranhas à advocacia, que incluam sócio não inscrito como advogado ou totalmente proibido de advogar (art. 16).
Assim sendo – e diversamente do que ocorre em países de common law (Inglaterra e País de Gales) -, a atividade dos advogados não se confunde com qualquer espécie de atividade comercial, gerando, por consequência, notáveis restrições quanto à publicidade permitida.
No primeiro Código de Ética Profissional do Brasil, editado pelo Instituto dos Advogados de São Paulo (1921), havia expressa proibição da propaganda de serviços de advogados. Conforme previa o art. 12, “É igualmente contrário à ética profissional solicitar serviços ou causas, bem como angariar estas ou aqueles por intermédio de agentes de qualquer ordem ou classe. Nem mesmo pode ser tolerada, aberrante como é das tradições da nobre profissão da advocacia, a propaganda indireta, por meios provocados, de informações e comentários da imprensa sobre a competência do advogado, excepcional importância da causa, magnitude dos interesses confiados ao seu patrocínio e quejandos reclamos. Não é defeso, entretanto, anunciar o exercício da profissão ou escritório, pela imprensa e indicadores, ou por outros modos em uso, declarando suas qualidades, títulos ou graus científicos”.
Atualmente, o princípio geral que rege toda a atividade da advocacia é o de que “O advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia”. (art. 31 da lei 8.906/94).
Especificamente a respeito da publicidade profissional dos advogados, encontra-se regulamentada pelo Código de Ética e Disciplina da OAB (Capítulo IV – Da Publicidade Profissional) e pelo Provimento 205/21, do Conselho Federal.
Os princípios basilares que norteiam o marketing jurídico no Brasil são pautados pelo seu caráter meramente informativo, primando pela discrição e sobriedade, não podendo configurar captação de clientela ou mercantilização da profissão (art. 3º – Provimento 205/21).
Em razão da importância e da complexidade do tema, e sobretudo diante das novas formas de publicidade – em especial, os formatos online e as ferramentas de marketing digital disponíveis para uso que não eram previstos na legislação vigente -, o tema voltou a ser debatido, tendo sido realizada pelo Conselho Federal da OAB, em 2019, consulta pública sobre “os limites da publicidade na advocacia”.
O objetivo da referida consulta foi ouvir os advogados por meio de um questionário para coletar informações e sugestões para uma possível atualização dos regramentos em vigor, até então o Provimento 94/00 e o Código de Ética e Disciplina.7
E assim foi feito, tendo sido elaborado um questionário com perguntas objetivas e um campo aberto para sugestões prevendo questões sobre a flexibilização das regras de publicidade, utilização das redes sociais, sites e plataformas digitais como aplicativos de localização, busca e troca de mensagens para a divulgação dos serviços advocatícios.
Fruto da referida consulta pública foi a edição do Provimento 205/21, que trouxe uma importante diferenciação entre marketing jurídico e o branding jurídico – distinção que acompanha um movimento mundial sobre o tema.
Conforme previsão do art 2º do referido regulamento, “Para fins deste provimento devem ser observados os seguintes conceitos: I – Marketing jurídico: Especialização do marketing destinada aos profissionais da área jurídica, consistente na utilização de estratégias planejadas para alcançar objetivos do exercício da advocacia; II – Marketing de conteúdos jurídicos: estratégia de marketing que se utiliza da criação e da divulgação de conteúdos jurídicos, disponibilizados por meio de ferramentas de comunicação, voltada para informar o público e para a consolidação profissional do(a) advogado(a) ou escritório de advocacia; III – Publicidade: meio pelo qual se tornam públicas as informações a respeito de pessoas, ideias, serviços ou produtos, utilizando os meios de comunicação disponíveis, desde que não vedados pelo Código de Ética e Disciplina da Advocacia; IV – Publicidade profissional: meio utilizado para tornar pública as informações atinentes ao exercício profissional, bem como os dados do perfil da pessoa física ou jurídica inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, utilizando os meios de comunicação disponíveis, desde que não vedados pelo Código de Ética e Disciplina da Advocacia; V – Publicidade de conteúdos jurídicos: divulgação destinada a levar ao conhecimento do público conteúdos jurídicos; VI – Publicidade ativa: divulgação capaz de atingir número indeterminado de pessoas, mesmo que elas não tenham buscado informações acerca do anunciante ou dos temas anunciados; VII – Publicidade passiva: divulgação capaz de atingir somente público certo que tenha buscado informações acerca do anunciante ou dos temas anunciados, bem como por aqueles que concordem previamente com o recebimento do anúncio; VIII – Captação de clientela: para fins deste provimento, é a utilização de mecanismos de marketing que, de forma ativa, independentemente do resultado obtido, se destinam a angariar clientes pela indução à contratação dos serviços ou estímulo do litígio, sem prejuízo do estabelecido no Código de Ética e Disciplina e regramentos próprios.”
Como se percebe, o Provimento de 2021 configura um importante marco na tentativa de acompanhar o desenvolvimento mundial da matéria, autorizando o uso das tecnologias e das redes sociais, a participação de advogados em lives e, ainda, o uso de mídias sociais como o Whatsapp e o Google Ads (serviço de publicidade da Google).
No que tange ao impulsionamento de conteúdos, são permitidas publicações jurídicas em sites ou redes sociais dos advogados para atingir um público maior, que pode ou não estar interessado nos seus serviços, ou para ser encontrado apenas pelos seus seguidores, inscritos no seu newsletter e por quem busca o seu site ou perfil.
É importante destacar que, apesar dos avanços na matéria, o Provimento 205/21 não revogou a proibição de veiculação de anúncios em: i) rádio e televisão; ii) painéis de propaganda; iii) anúncios luminosos; iv) quaisquer outros meios de publicidade em vias públicas; v) cartas circulares; vi) panfletos distribuídos ao público; vii) oferta de serviços mediante intermediários, mantendo-se, portanto, o regramento do Código de Ética da OAB.8
Por fim, ressalta-se, que ainda há grande controvérsia quando se trata de analisar o cabimento e os limites da utilização de propagandas ostensivas. Para tanto, o art. 9º do referido Provimento previu a criação de um “Comitê Regulador do Marketing Jurídico”, de caráter consultivo, com a finalidade de acompanhar denúncias de violação às regras de publicidade, bem como, de sanar eventuais lacunas existentes sobre o tema.
Nesse sentido, ao contrário do direito norte-americano, conforme expusemos na primeira parte da presente coluna, todos os advogados brasileiros são representados por uma forma de organização marcada por sua unidade institucional com caráter nacional, sendo regidos por um só Código de Ética – o que torna viável a atuação do referido Comitê na fiscalização das práticas de publicidade.
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1 BAPTISTA, Joana Isabel Marques. A publicidade na advocacia. Disponível aqui. Acesso em 07 de setembro de 2022.
2 A respeito da advocacia e da publicidade jurídica na Inglaterra, consulte-se “Investimento externo vai fortalecer advocacia britânica”. Acesso em 05 de setembro de 2022.
3 CCBE. Charter of core principles of the european legal profession and code of conduct for european lawyers. Disponível aqui. Acesso em 27 de agosto de 2022.
4 Estatuto da Ordem dos Advogados – art. 80º do anterior Estatuto, revisto em 2001, na senda do artº 571º do velho Estatuto Judiciário, de 1927.
5 Estatuto da Ordem dos Advogados de Portugal. Disponível aqui. Acesso em 07 de setembro de 2022.
6 Idem.
7 OAB Nacional. Disponível aqui. Acesso em 06 de setembro de 2022.
8 Código de ética e disciplina da OAB – Disponível aqui. Acesso em 06 de setembro de 2022. “Art. 29. O anúncio deve mencionar o nome completo do advogado e o número da inscrição na OAB, podendo fazer referência a títulos ou qualificações profissionais, especialização técnico-científica e associações culturais e científicas, endereços, horário do expediente e meios de comunicação, vedadas a sua veiculação pelo rádio e televisão e a denominação de fantasia.”
Artigo originalmente publicado em: https://www.migalhas.com.br/coluna/direito-privado-no-common-law/373182/o-marketing-juridico-parte-ii