O reconhecimento global do direito à desconexão
Thaís G. Pascoaloto Venturi
segunda-feira, 20 de junho de 2022
Já tivemos a oportunidade de abordar, em colunas anteriores, o tema da responsabilidade civil das plataformas digitais pelo conteúdo das postagens realizadas por seus usuários nas redes sociais, que causa enorme controvérsia envolvendo a contraposição entre o poder moderador exercido pelas empresas de tecnologia e o exercício da liberdade de expressão.
Abordamos, ainda, a responsabilidade civil das empresas de aplicativos (especificamente o caso da Uber), que bem ilustra os desafios do tratamento jurídico dos danos gerados pelo emprego de novas tecnologias – especialmente no que respeita à necessidade e conveniência de sua regulação pelo Estado.
Trata-se de assuntos de alcance mundial, envolvendo uma multiplicidade de fatores que impactam diretamente o modo de ser da sociedade atual. É justamente nesse contexto que o tema da presente coluna – o direito à desconexão – se desenvolve, tendo em comum o mesmo fio condutor, qual seja, a era digital, marcada por uma nova forma organizacional em redes cujo eixo central é a TIC – tecnologia da informação e da comunicação.1
Se, de um lado, é fato que as novas tecnologias propiciam facilidades e benefícios incomensuráveis à vida em sociedade, por outro lado, constituem fontes geradoras de danos até então inimagináveis.
Muito embora o direito à desconexão possa ser analisado sob plurais aspectos da vida social, é no campo das relações trabalhistas que se situam as maiores preocupações quanto à sua concretização e eventual sancionamento por danos causados aos trabalhadores.
O direito à desconexão surge como uma prerrogativa do “trabalhador de se desligar (fora do horário de trabalho, nos finais de semana, nas férias), da rede telemática, do arreio eletrônico que liga o trabalhador a seu empregador”. Ressalta, aqui, o direito de não ser interrompido em seus momentos de descanso, envolvendo uma desvinculação plena do trabalho.2
Nesse contexto, a desconexão não deixa de constituir um mecanismo de contenção do comportamento do empregador e não um “novo direito do empregado”. Diante do ritmo frenético que se impõe às relações profissionais e das facilidades geradas pelo uso das novas tecnologias (e-mails, mensagens via aplicativos e redes sociais, dentro outras), tornou-se um grande desafio garantir aos empregados o direito ao descanso. Como afirma AMADO, “o trabalhador goza, assim, de um ‘direito à não conexão’ (dir-se-ia: de um right to be let alone) por parte da empresa, de um do not disturb! resultante do contrato de trabalho e da norma laboral aplicável.”3
Como se percebe, o direito à desconexão está ligado diretamente ao direito à privacidade, ao descanso e ao lazer, com vistas à preservação da saúde e da vida privada asseguradas constitucionalmente.
Nunca é o bastante destacar que a pandemia do coronavírus naturalmente acarretou uma expansão vertiginosa do home-office, incrementado por meios telemáticos, gerando o fenômeno da hiperconexão. De acordo com comunicados do Parlamento Europeu, “embora o teletrabalho tenha salvado empregos e permitido que muitas empresas sobrevivam à crise do coronavírus, também esvaziou a distinção entre o foro pessoal e o profissional e fez com que muitas pessoas trabalhassem fora do horário normal de trabalho, piorando deste modo o equilíbrio entre a vida profissional e vida privada.”4
Ainda, segundo a comissão europeia, “a economia das plataformas digitais está a crescer rapidamente. Entre 2016 e 2020, as receitas deste setor quase quintuplicaram, subindo de cerca de 3 mil milhões de EUR para cerca de 14 mil milhões de EUR. Estas receitas poderão ter sido mais elevadas e ascender a 20,3 mil milhões de EUR. segundo outro estudo. Atualmente, mais de 28 milhões de pessoas na UE trabalham através das plataformas digitais. Em 2025, prevê-se que este número atinja 43 milhões.”5
A regulação mundial do direito à desconexão
Um dos primeiros países a consagrar legislativamente o direito à desconexão foi a França. Por via da lei 2016-1088, de 8 de agosto de 2016 (vigente a partir de janeiro de 2017), acresceu-se um parágrafo sétimo ao art. 2242-8 do Código do Trabalho, aplicável às empresas com 50 ou mais funcionários. Referido dispositivo passou a regulamentar “As condições para o pleno exercício pelo empregado de seu direito à desconexão e a implantação pela empresa de dispositivos de regulação do uso de ferramentas digitais, a fim de assegurar o respeito aos períodos de repouso e folga, bem como à vida pessoal e familiar. Não havendo acordo, o empregador elabora um regulamento, depois do parecer do Conselho de Trabalhadores ou, na sua falta, os representantes do pessoal. Este regulamento define os procedimentos para o exercício do direito desconexão, bem como prevê a implementação de ações de treinamento e conscientização para funcionários, gerência e pessoal de gestão para o uso razoável de ferramentas digitais.”6
Assim, para a implementação efetiva de um direito de desconexão, na França os empregadores devem negociar com os representantes sindicais a respeito de eventuais atividades fora do horário de trabalho. A lei não impõe regras sobre como os funcionários devem “desligar”; em vez disso, exige que as empresas nas quais um ou mais sindicatos tenham estabelecido uma “seção sindical” (normalmente empresas com pelo menos 50 funcionários) devem entrar em negociações anuais obrigatórias para definir como os funcionários podem exercer seu direito de desconexão e (se não houver acordo com os sindicatos) adotam uma “carta” unilateral a este respeito, após consulta ao seu conselho de trabalhadores. Estas negociações devem abranger também o estabelecimento de “acordos para regular a utilização de equipamentos digitais, de forma a garantir o cumprimento dos períodos de descanso e férias e proteger a vida pessoal e familiar”.7
De acordo com a lei francesa, não há sanções diretas às empresas pelo descumprimento dessas regras. Todavia, os funcionários podem processá-las se sentirem violados quanto ao direito à desconexão. Como exemplo, em uma ação indenizatória baseada nessa lei, um funcionário de uma grande empresa de controle de pragas recebeu 60.000 euros em compensação por estar “de plantão”, depois que um tribunal francês decidiu que a empresa havia exigido que o empregado deixasse seu telefone permanentemente ligado para atender clientes, caso surgissem problemas fora de seu horário de trabalho.8
Seguindo o exemplo da França, em dezembro de 2018 a Espanha aprovou a Nova Lei de Proteção de Dados, internalizando o GDPR – Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados da União Europeia (UE), passando a prever um novo conjunto de direitos digitais para cidadãos e funcionários. Destaca-se, nesse sentido, o art. 88 (Derecho a la desconexión digital en el ámbito laboral), segundo o qual os trabalhadores nos setores privado e público deverão ter assegurado o direito à desconexão para garantir o respeito aos seus períodos de folga, licença e férias, assim como para a sua privacidade pessoal e familiar.9
Na Itália, o direito à desconexão foi regulado por via da lei 81/17, que regulamenta o Smart Working (trabalho inteligente), com o intuito de promover e fornecer um arcabouço para novas formas de trabalho remoto e para melhorar o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional dos trabalhadores. Afirma-se o direito de os funcionários que trabalham remotamente se desconectarem das ferramentas e sistemas da empresa usados ??para realizar seu trabalho. Destaca-se que o direito à desconexão está limitado aos trabalhadores realizando o smart work, não se aplicando referida lei, de forma geral, à força de trabalho como um todo.10
Em Portugal, recentemente foi promulgada a lei 83/21, que modificou o regime jurídico do teletrabalho. O legislador lusitano inseriu ao Código Trabalhista, o art. 199.º- A, prevendo o “dever de abstenção de contacto”, pelo qual “O empregador tem o dever de se abster de contactar o trabalhador no período de descanso, ressalvadas as situações de força maior”.11
No âmbito do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJ/UE), há farta jurisprudência atinente aos critérios de determinação do tempo de trabalho, incluindo o tempo de permanência e o serviço de chamada, à importância do tempo de descanso, à obrigação de medir o tempo de trabalho e aos critérios para determinar o estatuto de um trabalhador.12
Em razão disso, recentemente (janeiro de 2021) o Parlamento Europeu – composto por representantes dos 27 países membros da União Europeia -, aprovou uma resolução (2019/2181) recomendando à Comissão Europeia que legisle a respeito do direito à desconexão, instando-a a “avaliar e abordar os riscos de não proteger o direito a desligar” e a estabelecer normas mínimas para o trabalho remoto.13 Conforme consta da página oficial do parlamento europeu, “o direito a desligar não está definido na legislação da UE e o Parlamento quer mudar isso.14
Cite-se, ainda, apenas a título de informação, a existência de regulação do direito à desconexão em outros países, tais como Bélgica, Canadá, Chile (primeiro país fora da Europa a reconhecer referido direito) e Argentina.
Nos EUA, ainda parece haver pouco interesse político na regulamentação do direito à desconexão. A forte cultura capitalista norte-americana tem sido apontada como o principal entrave a uma tal regulação, na medida em que poderia representar obstáculo à maximização da produtividade e dos lucros – para o quê se espera que os trabalhadores estejam disponíveis a todo momento.15
Talvez por esse motivo, não prosperou um projeto de lei apresentado em março de 2018, perante o New York City Council (Chapter 14 – Disconnecting from work), com o propósito de vedar que os empregadores do setor privado com mais de 10 funcionários exigissem que seus funcionários se mantivessem conectados ao trabalho após o término formal do dia de trabalho, exceto em casos de emergência. Pelo projeto, os funcionários poderiam exercer o seu direito à desconexão, ficando impedidos de verificarem ou responderem emails e/ou outras comunicações eletrônicas fora do horário de trabalho. De forma inovadora, o projeto ainda previa a possibilidade de mecanismos de enforcement and penalties para os empregadores que não observassem o direito à desconexão, sujeitando-os a sanções pecuniárias, para além da criação de um canal para o recebimento de denúncias anônimas.16 Após discussões iniciais a respeito da proposta, inclusive com a realização de audiência pública, referido projeto acabou sendo arquivado.17
Similar tratamento legislativo relativamente ao direito à desconexão vem sendo defendido também para o Estado da Califórnia, apesar de muitos juristas sustentarem que o Estado não precisaria de uma lei específica acerca do tema – na medida em que sempre se destacou pela regulamentação progressista, sendo considerado “one of the most employee-friendly states in the country”. Mas, será que um dos berços da tecnologia, ainda que remunere expressivamente horas-extras, consegue contornar os inúmeros transtornos à saúde de uma geração hiperconectada?18
Brasil
O Brasil ainda não conta com legislação específica sobre o tema, muito embora a lei 13.467/17 tenha acrescentado à CLT uma regulação relativa ao teletrabalho (capítulo II-A, artigos 75-A à 75-E). Nada se menciona, todavia, a respeito do direito à desconexão, em que pese a existência de farta jurisprudência dos tribunais nacionais que o reconhecem expressamente, servindo de fundamento para amparar indenizações a trabalhadores lesados.
Como afirma ROSENVALD, “no Brasil, inexiste o rótulo do ‘direito de desconectar’. O que temos é um controle ‘ex post’ dos danos injustos decorrentes das patologias associadas ao desempenho das atividades profissionais, sobremaneira a síndrome de ‘burnout’. Pela via da responsabilidade civil, a justiça trabalhista converte em um ‘passivo’ da empresa, a impossível tarefa de restaurar a saúde do empregado ao ‘status quo’ anterior ao exaurimento profissional”.19
Nos tribunais trabalhistas brasileiros o direito à desconexão vem sendo reconhecido nas hipóteses em que o empregador estabelece comunicação com o empregado durante o seu período de descanso. Conforme já decidiu o TST, “o entendimento desta Corte Superior é no sentido de que a submissão do empregado a jornada extenuante que ‘subtraia do trabalhador o direito de usufruir de seus períodos de descanso, de lazer, bem como das oportunidades destinadas ao relacionamento familiar, ao longo da vigência do pacto contratual’ configura dano existencial. II. Tendo a Corte regional concluído que ‘da jornada descrita, denota-se claramente a falta de preservação do convívio familiar, bem como relaxamento, lazer, direitos estes inerentes a qualquer trabalhador’, a decisão regional está de acordo com a iterativa, notória e atual jurisprudência do TST.”20
Muito se discute a respeito da conveniência ou mesmo da necessidade da implementação de uma regulamentação específica do direito à desconexão no Brasil. Seria mesmo necessária qualquer inovação legislativa para reassentar um direito implicitamente já reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência nacional?
Conclusões
O pioneirismo do tratamento legislativo a respeito do direito à desconexão na França não deixa de ilustrar uma reafirmação cultural dos valores característicos da sociedade francesa.21
No entanto, o tema é emblemático para o mundo inteiro na medida em que se preconiza, por via do reconhecimento do direito à desconexão, a reafirmação do direito à privacidade e à intimidade das pessoas, a quem se deve garantir o seu livre exercício. E isso tudo, com ainda maior gravidade, dentro de um contexto histórico no qual a produtividade e a hiperconexão passaram a ser virtudes quase incontestáveis, submetendo os seres humanos a um ritmo de vida (e não apenas de trabalho) inegavelmente angustiante, gerador de lesões de toda ordem aos valores que nos parecem mais caros.
Concomitante a isso, vivenciamos a lógica de um mercado pujante que premia e exige respostas rápidas, pautado na apresentação de resultados eficientes. Para tanto, parece não haver mais lugar para pessoas que não se proponham a estar “disponíveis” em período integral, na medida em que sempre existirá, em algum lugar, alguém disposto a sacrificar sua vida privada para suprir a demanda diante de uma economia globalizada.
Diante desses dilemas, não é fácil responder até que ponto pode ou deve o Estado, pela via legislativa, delimitar o grau e a densidade de disponibilidade individual reputados razoáveis para se reger as relações de trabalho, por exemplo.
Seja como for, não se pode deixar de anotar que as recorrentes e cada vez mais insidiosas práticas abusivas do inter-relacionamento humano dentro da sociedade online, muito mais do que capazes de violar um “direito à desconexão”, atentam contra vários direitos fundamentais assegurados constitucionalmente, tais como o direito ao lazer, à vida privada, à intimidade, à saúde, e à integridade psíquica, dentre outros. E para tais espécies de violações, na medida em que impeçam a realização do projeto de vida do ser humano individual ou coletivamente considerado, tanto a doutrina como a jurisprudência brasileira já consagram a categoria própria dos chamados danos existenciais.22
Em que medida a consagração de uma nova categoria de danos (derivados de um “direito à desconexão”) representaria efetivamente um avanço no campo da responsabilidade civil é uma questão a ser respondida pelos diversos sistemas de justiça, tomando em consideração as diversidades culturais, políticas e econômicas dos países que os integram.
______
1 CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. Economia, sociedade e cultura. 9. ed. Vol. 1. São Paulo: Paz e Terra, 2006.
2 HARFF, Rafael Neves. Direito à desconexão: estudo comparado do direito brasileiro com o direito francês. Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Porto Alegre, ano XIII, n. 205, p. 53-74, jul. 2017. Disponível aqui.
3 AMADO, João Leal. Tempo de trabalho e tempo de vida: sobre o direito à desconexão profissional. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Campinas, n. 52, p. 254-268, 2018. E, ainda, A desconexão profissional e a DGAEP: tomemos a sério o dever de abstenção de contacto. Disponível aqui.
4 Comunicação da comissão ao parlamento europeu, ao conselho, ao comité económico e social europeu e ao comité das regiões – Melhores condições de trabalho para uma Europa social mais forte: explorar os benefícios da digitalização para o futuro do trabalho. Disponível aqui.
5 Ibid., p. 03.
6 Disponível aqui.
7 Idem.
8 PONZILACQUA, Marcio H. Pereira e SILVA, Luciana Graciana. O direito à desconexão do trabalho francês: perspectivas de implementação no Direito brasileiro. Disponível aqui.
9 Ley Orgánica 3/2018, “Protección de Datos Personales y garantía de los derechos digitales”, 5.12.2018. Disponível aqui.
10 Lei n. 81 de 22 de maio de 2017. Disponível aqui.
11 Lei n. 83-2021. Disponível aqui.
12 Dentre as diversas decisões, entre outros, os acórdãos do Tribunal de Justiça de 5 de outubro de 2004 (Pfeiffer e o., C-397/01 e C-403/01, ECLI:EU:C:2004:584, 93); de 7 de setembro de 2006 (Comissão contra Reino Unido, C-484/04, ECLI:EU:C:2006:526, 36); de 17/11/16 (Betriebsrat der Ruhrlandklinik, C-216/15, ECLI:EU:C:2016:883, 27); de 21/2/18 (Matzak, ECLI:EU:C:2018:82, C-518/15, 66) e de 14/5/19 (Federación de Servicios de Comisiones Obreras (CCOO), C-55/18, ECLI:EU:C:1999:402, 60). Disponível aqui.
13 Resolução do Parlamento Europeu, de 21 de janeiro de 2021, que contém recomendações à Comissão sobre o direito a desligar (2019/2181(INL)). Disponível aqui.
14 Comunicação da comissão ao parlamento europeu, ao conselho, ao comité económico e social europeu e ao comité das regiões – Melhores condições de trabalho para uma Europa social mais forte: explorar os benefícios da digitalização para o futuro do trabalho. Disponível aqui.
15 Essa é a conclusão de Liuba BELKIN, professor da Lehigh University’s College of Business, disponível aqui. .
16 Bill 0726-2018. A Local Law to amend the New York city charter and the administrative code of the city of New York, in relation to private employees disconnecting from electronic communications during non-work hours”, March 2018. Disponível aqui.
17 Disponível aqui.
18 “It’s not unreasonable to think that California may draft a law similar in scope to the new Portuguese one,” says Michael Alexis, CEO of Washington-based TeamBuilding, which runs virtual team building activities for remote teams”. Could Califórnia ever pass right to disconnect law? Disponível aqui.
19 ROSENVALD, Nelson. O direito de desconectar. Disponível aqui.
20 RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.015/14. 1. DANO EXISTENCIAL. JORNADA EXTENUANTE. NÃO CONHECIMENTO. I. O entendimento desta Corte Superior é no sentido de que a submissão do empregado a jornada extenuante que “subtraia do trabalhador o direito de usufruir de seus períodos de descanso, de lazer, bem como das oportunidades destinadas ao relacionamento familiar, ao longo da vigência do pacto contratual” configura dano existencial. II. Tendo a Corte Regional concluído que “da jornada descrita, denota-se claramente a falta de preservação do convívio familiar, bem como relaxamento, lazer, direitos estes inerentes a qualquer trabalhador”, a decisão regional está de acordo com a iterativa, notória e atual jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, o que inviabiliza o processamento do recurso de revista, conforme os óbices do art. 896, § 7º, da CLT e da Súmula 333 do TST. III. Recurso de revista de que não se conhece. [.]. (RR-1001084-55.2013.5.02.0463, 4ª turma, relator ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 22.11.2019.) Em sentido semelhante: RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI 13.015/14. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS EM DECORRÊNCIA DE DANOS EXISTENCIAIS. JORNADA EXAUSTIVA (12 HORAS). DANO IN RE IPSA. No caso, o Tribunal Regional […] consoante jurisprudência desta Corte, a submissão à jornada excessiva ocasiona dano existencial, em que a conduta da empresa limita a vida pessoal do empregado, inibindo-o do convívio social e familiar, além de impedir o investimento de seu tempo em reciclagem profissional e estudos. Assim, uma vez vislumbrada a jornada exaustiva, como no caso destes autos, a reparação do dano não depende de comprovação dos transtornos sofridos pela parte, pois se trata de dano in re ipsa, ou seja, deriva da própria natureza do fato gravoso. Indenização fixada no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), na esteira das decisões proferidas por esta Turma em casos semelhantes. Recurso de revista conhecido e provido. (TST – ARR: 9828220145040811, Relator Delaíde Miranda Arante, Data do Julgamento: 10/4/19, 2ª Turma.)
21 Nesse sentido, ROSENVALD, Nelson. O direito de desconectar. Disponível aqui.
22 Conforme já decidiu o STJ, os danos existenciais constituiriam mera espécie de dano moral (AgInt no AREsp 1.380.002/MS, relator ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 2/4/19, DJe de 15/4/19), não podendo ser fixados cumulativamente com esses, sob pena de ocorrência de bis in idem (REsp 1.968.131, ministro Benedito Gonçalves, DJe de 21/2/22). 1. Segundo o entendimento do STJ, prescreve em três anos a pretensão de reparação de danos, nos termos do art. 206, § 3º, do CC/02, prazo que se estende, inclusive, aos danos extrapatrimoniais. Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1.380.002/MS, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 2/4/19, DJe de 15/4/19.)
Artigo originalmente publicado em: https://www.migalhas.com.br/coluna/direito-privado-no-common-law/368145/o-reconhecimento-global-do-direito-a-desconexao